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BEM-TE-VI, PALIMPSESTO DO ADEUS

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BEM-TE-VI , PALIMPSESTO DO ADEUS BEM primeira sílaba do universo, luz inaugural que aprendeu a dizer “sim”.   TE fio tênue entre quem ama e quem já é memória.   VI verbo do instante: vi-te subir além do alcance e o céu cravou em mim a tua cura de infinito.   Bem-te-vi ou será vi-te-bem? Nas costas do tempo, as duas frases cabem como asas sobrepostas: a que parte, a que permanece.   Be - resto de um beijo que o vento traduziu em pássaro. Bem-te - juramento soterrado na pausa de um canto. Bem-te-vi - epifania ao contrário: um som que volta vazio e, no vazio, engravida o silêncio de sentido.   se todo voo é pergunta, teu canto foi resposta que não sabia o nome das coisas, mas sabia amar.   bem na dobra secreta do mundo, ainda é manhã   te teço contigo um ninho de lembranças   vi vejo-me inteiro só quando ecoa o teu trinado   bem.te.vi tríplice pulso que reli...

REENCONTRO

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REENCONTRO   No silêncio das alvoras, Nas corolas sonhadoras, Nas saudades vultuosas, Veio a luz dum tempo vão. Era ele, o peregrino, Feito espinho em velho hino, Que de guerras fez destino E esqueceu do próprio chão.   Sob a bruma que cintila Qual memória que vacila, Seu olhar no céu destila, A lembrança do que amou. Foram léguas de fadiga, Muitos sóis, nenhuma abriga, Mas no peito a mesma antiga Paz que um dia ela lhe doou.   Ela, em véus de claridade, Velou séculos de saudade, Tecelã de eternidade, Nos umbrais do firmamento. Prescindindo sua aurora, Na esperança que não chora, Viu por eras, hora a hora, O seu vulto em sofrimento.   Do celeste véu descia, Com o brilho que envolvia Toda a dor que não morria Nos caminhos do querer. Ela vinha, estrela exausta, Sobre a sombra fria e falsa, Para erguer a chama alta Do que nunca quis morrer.   Ele errante, alma em luto, Como o som dum canto bruto Degustava o mesmo fruto Nas campinas do pesar. Cada escolha, cada pass...

SOMBRAS

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                  SOMBRAS Sou cinza e sangue, o eco das galés, Dos filhos que em grilhões se consumiram; O sal no rosto, os prantos de Moisés, E os gritos que no tempo infeneceram. Sou réu dos muros feitos por temor, Do gueto que selou o filho hebreu; Do verbo que expulsou sem ter pudor Os justos sob a estrela de um céu seu. Voz calada em fogos da inquisição, Das místicas que a pira devorou; Sou lâmina que, em nome da razão, As almas pitonisas trucidou. Nas cruzadas vesti o escarlate, Deixei atrás mil corpos por um templo;  Sobre Deus, fiz mercancia no combate, Troquei o céu por crimes sem exemplo. Em mares fui corsário e semeador De ruínas nas naus de inocentes; Na África, lancei algema e dor, E em leilões vendi os impotentes. Tracei fronteiras como um deus profano, Rasguei a terra com punhal de rei; Chamei “civilizar” o vil engano Impondo o credo a quem jamais julguei. Em névoa de fornalhas industriais Queimei crianças em canções ...

O Amor que se fez

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  O AMOR QUE SE FEZ Nos olhos, a luta, roto a clamar, A alma em tormento, rubor a arder; Foi dor que se fez, arcano a calar, Mas o amor, nas sombras, a florescer.   Erguia-se o muro, imenso e cruel, Silêncio profundo, alma a implorar; Mas o tempo, sábio, ágil e fiel, Faz da dor, calma, e do medo, o ar.   A turba nega o beijo com ardor, Dessabia do amor as suas sendas, E ao bradar calado, anti o torpor, O deleite abraço, rompe as fendas.   A flama da paixão, não mais se oculta, E a guerra interna, os poucos, o afeto, afaga. Anima as ondas, luze e tudo exulta, E o fogo em ardor gentil já não se apaga.   No compasso, fez da luta harmonia, E as mãos que outrora, se desdém, Se entrelaçam em pura poesia, Libertando a alma, alcança o além.   Duas flores que ramam o mesmo galho, Dois anjos que compartem a mesma vida, Lírios alados, ávidos de orvalho, Querubins que se beijam, flor florida.   Se pai...